Eu moro no sul, especificamente em Floripa há muitos anos e a situação aconteceu com alguns anos morando aqui. Nessa época, morávamos em um sobrado, num bairro bem sossegado próximo ao cartório.
No trabalho, eu tinha feito muitas horas extras por conta de um novo projeto e passei vários dias trabalhando de 12 a 16 horas. Quando as coisas voltaram ao normal, meu chefe e o RH me ofereceram metade em dinheiro e a outra metade em folgas que somaram 1 semana em casa. Eu já estava casado com o meu gordo e nesse mesmo período, ele me chamou para passar o fds com os avós, numa cidade pequena no oeste de SC. Eu, sinceramente, gosto de ir lá mas não estava afim de sair de casa, eu estava cansado e queria aproveitar o tempo vendo séries, batendo punheta entre outras coisas. Eu falei que ficaria em casa e ele levou de boa, temos uma relação tranquila onde não forçamos o outro a fazer coisas que não queira e ele não iria sozinho. Nessa viagem seriam 2 carros, ele levaria os país e uma prima no carro dele e no outro, o irmão mais velho, Pedro com sua esposa e filhos. Saíram na quinta a noite e voltariam na noite de domingo ou na manhã de segunda.
Eu trabalhei na sexta pela manhã, almocei e tomei um banho para sentar e ver tv. Lembro que era uma tarde quente, sol rachando e eu dentro de casa, aproveitando meu dia, deitado no sofá e vendo minhas séries, com o ventilador ligado no máximo.
Para ilustrar, todo o sobrado fazia um L no lado direito do terreno e fundos, morávamos na parte de cima. Na parte de baixo, abaixo do sobrado tinha a garagem, um cômodo com banheiro cheio de bagunças, a lavanderia abaixo dos fundos e o restante era um quintal amplo e aberto, onde tinha o móvel favorito e mais usado da casa, uma mesa de madeira enorme retangular, 2 bancos compridos abaixo de um toldo e uma área de lazer com churrasqueira. A garagem e o quintal eram independentes, cada um com seu portão, fazendo com que o quintal servisse com uma 2ª garagem. Uma escada levava até o corredor da casa, do lado esquerdo ficava a cozinha, banheiro e os 2 quartos e do lado direito, ficava o lavabo, a sala que tinha uma porta-janela que dava para uma pequena sacada.
Do nada, ouço palmas e fico na minha, achei que era no vizinho, ouço novamente e fui até a sacada, me apoiei e olhei para baixo. Era um senhor, morador de rua na frente do portão esperando alguém aparecer.
- Eu: "Ôh, aqui em cima! Em que posso ajudar, senhor?"
Ele olhou pra cima mas o sol estava muito forte, então ele colocou a mão sobre olhos e pude ver um par de olhos azuis. Era um coroa gordinho, barbudo, cabelos grandes saindo pelos lados do boné, todo sujo e suado. Usava uma camiseta escura e calça jeans, ambos bem usados e rasgados, com furos. Os pés imundos sobre havaianas bem gastas e pequenas para o pé dele.
É muito chocante ver uma pessoa naquelas condições, não me sinto bem, mexe comigo. Pessoas e animais em condições de abandono, fico mto puto e triste.
Ele falou, mas eu não ouvi e fiz sinal para ele aguardar que eu ia descer para ouvir o que ele tinha a dizer e quando abri o portão, me deparei com um ursão lindo, apesar da situação em que ele se encontrava.
- Eu: "Opa! Tudo bem? Posso te ajudar?"
- Ele: "Tem como arrumar um copo de água e algo para eu comer?"
- Eu: "Acho que sim, entra!"
- Ele: "Eu espero aqui!"
- Eu: "Não, tá muito quente! Entra, senta e aguarde aqui na sombra!"
- Ele: "Eu tô muito sujo!"
- Eu: "Não tem problema, entra!"
Ele, de cabeça baixa e bem humilde, pegou sua sacola de tecido que estava no chão e entrou com um aspecto de derrotado. Pedi para ele se sentar e aguardar, enquanto eu fui até a cozinha e peguei uma garrafa de água e levei até ele. Enchi o 1⁰ copo e ele foi tomando. Enquanto isso, não pude deixar de olhar para ele e pensar: 'Esse homem limpo e arrumado, deve ser daqueles coroas pra casar'.
- Eu: "Qual o seu nome?"
- Ele: "Antônio!"
- Eu: "Prazer, Seu Antônio! Descansa que eu vou fazer um prato para o senhor!"
- Ele: "Pode me chamar de Toninho!"
- Eu: "Ok, Toninho! Aguarda que eu já venho!"
Voltei na cozinha e peguei a sobra do almoço e fiz um prato bem farto com arroz, feijão, um peito de frango assado, farofa e em outro prato coloquei uma saladinha com tomates e alface. Eu achei o peito de frango muito pouco para um homem daquele porte, então eu decidi fritar 2 ovos e colocar junto. Coloquei para aquecer no micro ondas e fiquei olhando ele pela janela da cozinha, estava sentado no banco e escorado na parede, enxugando o suor, bebendo a água com uma calma e olhando tudo ao redor. Peguei todas as coisas e coloquei numa bandeja, desci e fui ajeitando a mesa para ele almoçar.
- Ele: "Não precisa disso tudo, não, moço!"
- Eu: "Relaxa!"
Notei que ele não ligaria de comer daquele jeito mas mesmo assim, mostrei para ele o tanque de lavar roupas e disse que para se lavar antes de comer. Ele calmamente se levantou e foi lavar as mãos gordinhas e seu rosto encharcado de suor e eu fiquei arrumando as coisas na mesa. Ele voltou, se sentou e ficou observando eu fazendo as coisas.
- Eu: "Fica a vontade! Se alimenta bem, come no seu tempo, beleza? Eu espero que goste, é a sobra do almoço!"
- Ele: "Tá tudo muito gostoso! Faz tempo que eu não como assim!"
- Eu (inocente): "Frango? Ovos?"
- Ele: "Não! Sentado numa mesa, tudo limpinho e sem pessoas me encarando!"
- Eu: "Entendi!"
Claro que eu fiquei emocionado, fiquei imaginando ele comendo na rua, com as mãos sujas e com todo mundo olhando, deve ser foda para ele. Eu também notei uma certa vergonha de comer na minha frente.
- Eu: "Eu fico aqui falando, né? Quer que eu deixe você comer em paz?"
- Ele: "Claro que não! Não quer comer também?"
- Eu: "Já almocei!"
- Ele: "Então fica, não gosto de comer sozinho!"
Eu me sentei do outro lado da mesa achando que ele ia devorar o prato como se fosse a última coisa do mundo mas não, comeu tranquilo, devagar e mastigando corretamente e falava bem, sem gírias ou palavrões.
- Eu: "Está bom?"
- Ele: "Está muito bom! Obrigado, viu?"
- Eu: "Me desculpa a intromissão, você mora onde?"
- Ele: "Eu fico na rua!"
- Eu: "Como assim na rua?"
- Ele: "Não tenho casa, perdi tudo e moro na rua. Fico sempre perto da praça central mas já dormi em obras, casas abandonadas, debaixo de marquises!"
- Eu: "Me desculpa novamente. Como você chegou nessa situação?"
- Ele: "Bom, eu era casado, tinha um relacionamento complicado e quando fui demitido, minha esposa me colocou para fora!"
- Eu: "Como assim, cara?"
- Ele: "Eu tive dificuldades para arrumar um emprego e ela disse que não queria morar com um vagabundo. Como nós construímos nos fundos dos meus sogros, quando separamos, ela e os irmãos me colocaram para fora!"
- Eu: "Que foda!"
- Ele: "Fui morar com minha irmã e o marido, de favor, sabe? Arrumei um bico e por quase 1 anos, enquanto eu procurava um emprego bom, meu cunhado me humilhava e minha irmã não falava nada e acabei saindo da casa!"
- Eu: "O que você fazia quando trabalhava?"
- Ele: "Não sou estudado, sei ler e escrever mas saí cedo da escola para trabalhar na roça. Aqui, eu trabalhei como faxineiro numa empresa, limpava o pátio, banheiros, essas coisas!"
- Eu: "Tentou albergues?"
- Ele: "Já dormi, mas muitas pessoas consomem drogas lá dentro e é sempre muito cheio. Como agora eu fico andando pelos bairros, oferecendo serviços de limpeza de terreno, pinturas, arrumar telhado e não chego a tempo para conseguir lugar lá, então durmo em qualquer lugar!"
- Eu: "Sinto muito por isso, cara!"
- Ele: "Tudo bem! Se tiver algum serviço na sua casa, eu faço pra você!"
- Eu: "Não sei se tem, mas fica tranquilo! Come sua comida de boa, relaxa, descansa e não se preocupe com isso!"
Enquanto ele comia, pude reparar no tipo de ursão: Ele era um coroa urso, beirando os 55 anos, aproximadamente 1,76m e 110kg, pele branca mas queimada de sol, bem gorducho, todo peludão, cabelos castanhos claros com fios brancos nas costeletas e uma barba grande e desgrenhada. Era bem largo, assim como os seus braços e pernas. Lembro das suas mãos fortes com dedos peludinhos e grossos.
Os pêlos saíam pela gola e pelos furos da camiseta. Seus olhos eram lindos, que contra a luminosidade do sol, pareciam brancos de tão claros. O nariz era gordinho mas pequeno com a ponta bem redonda e suas sobrancelhas bem bagunçadas e grossas. Não dava para ver a boca por causa da barba que crescia desorganizada mas quando sorria, mostrava ter todos os dentes bonitos apesar de amarelos.

Juntei as coisas depois que ele terminou e disse que ele podia ficar a vontade, descansar um pouco enquanto eu levava as coisas para a cozinha. Ele ofereceu ajuda, mas eu disse que podia deixar comigo. Eu me senti mal por ele e pensei no que eu podia fazer para ajudá-lo e de imediato eu mandei uma mensagem para um amigo que trabalha na construção civil, instalando revestimentos em sobradinhos geminados e perguntei se não havia um trabalho qualquer nas obras em que eu pudesse indicar um amigo. Enquanto eu arrumava as coisas, ele me respondeu que veria com uns patrões, donos das obras e me dava retorno. Aproveitei e mandei mensagem para o gordo, se ele tinha algumas roupas que não usava mais para ajudar um amigo e ele disse que eu poderia ver nas coisas dele, eu saberia o que ele usa ou não.
Olhei da janela e ele estava sentado no chão, com as costas na parede fazendo sua digestão e eu falei com ele da janela mesmo.
- Eu: "Toninho, vou juntar umas roupas para você, se quiser deitar no banco e descansar, fica a vontade!"
- Ele: "Tá bom aqui, geladinho!"
- Eu: "Daqui a pouco eu desço!"
Por mais que ele não parecia uma má pessoa, eu ainda estava preocupado, não o conhecia e eu sou assim, desconfio de todo mundo até que eu conheça bem. Fiquei lá separando umas roupas como camisetas, bermudas, meias, calças, blusas, cuecas, tudo! De vez enquanto, dava uma espiada pela janela e ele estava lá no mesmo lugar, descansando de olhos fechados, tirando um cochilo, eu acho. Peguei um bolsão desses de comprar roupas no centro e coloquei tudo dentro. O processo demorou quase 1 hora e quando olhei novamente, ele já tinha sentado novamente no banco, me esperando. Ele olhou para cima, me viu na janela e deu um sorrido gostoso. Nesse momento, eu me peguei gostando daquele lindo.
Fiquei ali em casa pensando, tomando coragem para convidar ele para entrar em casa, mas eu ainda estava indeciso, desci e sentei no banco ao lado dele.
- Eu: "Separei uma roupas para você, vai gostar. É tudo roupa boa, tá?"
Nesse momento, ele colocou o braço nas minhas costas, querendo me abraçar, mas por estar sujo, não completou e eu tomei a frente e abracei ele.
- Ele: "Muito obrigado, carinha, de coração!"
- Eu: "Você não quer entrar e me fazer cia? Eu tô sozinho vendo tv e depois que descansar e o sol baixar um pouco, pode ir embora!"
- Ele: "Depois de tudo o que está fazendo por mim, não quero incomodar!"
- Eu: "Não incomoda! Fica aí e depois você vai!"
- Ele: "Eu tô muito sujo!"
- Eu: "Faz o seguinte, toma um banho e veste uma roupa limpa!"
- Ele: "Vai sujar sua casa!"
- Eu (direto): "Você não quer ficar ou você está com vergonha?"
- Ele: "Não quero mesmo te aborrecer e sujar sua casa!"
- Eu: "Como tá quente, você tomar um banho de mangueira, pode ser?"
- Ele: "Pode! Mas não tem problema mesmo?"
- Eu: "Claro que não! Eu vou lá pegar um sabonete e você se lava, quando se sentir mais confortável, você entra e toma outro no chuveiro. Água morna com shampoo, aproveita e escova os seus dentes, veste roupas limpas!
Ele concordou com a cabeça e sem pensar e eu fui buscar uma toalha e um sabonete.
Continua...
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